Revolta das colónias inglesas na América do Norte
(1775-83), que resultou na instituição dos Estados Unidos da América.
Na sua origem esteve a oposição colonial à política inglesa
de exploração económica e a recusa dos colonos em custear um exército
permanente. Foi ainda estimulada pelos sentimentos antimonárquicos dos colonos
e pela vontade em participar nas políticas que lhes diziam diretamente
respeito.
A revolução americana, ou guerra da independência dos
EUA, como por vezes é conhecida, foi o resultado de uma variedade de fatores
complexos e de pontos específicos de contenção. Mas, no cerne da questão está
na recusa do reconhecimento, tanto económico como psicológico, por parte da
Inglaterra, face à superação das colónias americanas do estatuto que esta lhes
tinha concedido e que carecia uma revisão radical.
Leis
da navegação e impostos
As primeiras dificuldades surgiram com as chamadas Leis
da navegação, que proporcionavam à Inglaterra um mercado fechado de
determinados produtos coloniais mas que restringiam o comércio colonial,
universalizando o contrabando. A situação atingiu o auge quando o
primeiro-ministro britânico, George Grenville, decidiu pressionar as colónias,
insistindo que as leis da navegação deveriam ser rigorosamente cumpridas.
Propôs ainda que fosse criado e mantido um exército permanente para,
aparentemente, proteger os colonos das incursões índias. Muitos foram os que
consideraram que esta decisão não passava de uma medida intimidadora por forma
a garantir a submissão colonial à vontade britânica. Esta questão tornou-se o
cerne da discórdia com os colonos quando Grenville insistiu em cobrar impostos
nas colónias como fundos de remuneração do exército.
O exército era remunerado através da Lei do selo,
aprovada em Março de 1765. Essa lei fixou, pela primeira vez, a cobrança de
impostos directos nas colónias americanas. James Otis, de Boston, e Patrick
Henry, da Virgínia, impeliram os colonos a resistir e o Congresso da Lei do
selo, liderado pela colónia do Massachusetts, decidiu fazer uma petição ao rei
e ao parlamento. Irrompeu uma vasta agitação cuja palavra de ordem era «Sem
representação não há taxação» e ocorreram distúrbios em todas as colónias,
desencadeando-se a destruição maciça dos selos. O governo inglês falhou no
cálculo do grau de descontentamento provocada por esta lei e as tentativas de
conciliação não resultaram. Depois de alguns meses de impasse, durante os quais
se desencadearam sérios distúrbios em todas as colónias, o governo inglês foi
forçado a ceder, face ao que reconheceu a oposição americana ao pagamento de
impostos «internos» fixados a partir do exterior e, consequentemente, procedeu
à abolição da Lei do selo.
O
Boston tea-party
Apesar da cedência britânica à Lei do selo, o direito de
fixar impostos nas colónias permaneceu. Os americanos pareciam estar dispostos
a aceitar alguns impostos «externos» como, por exemplo, os direitos
alfandegários. Enquanto isso, o chanceler do tesouro, Townshend, fixou, em
1767, direitos sobre a importação do chá, vidro e outros artigos para remunerar
os funcionários da coroa destacados em serviço nas colónias. Isto parecia
razoável ao governo britânico mas, para sua surpresa, os protestos americanos
mantiveram-se e a oposição popular, silenciada pela revogação da Lei do selo, ganhou
novamente voz, dando origem, em Março de 1770, ao massacre de Boston, com as
tropas inglesas a abrirem fogo sobre uma multidão de colonos. Cinco colonos
morreram e a situação estava longe de ser controlada. Forçados a desistir, em
Abril os ingleses revogaram os direitos de importação, à exceção do imposto
sobre o chá, o qual se manteve pela Lei do chá, concebida para auxiliar na
diminuição dos excedentes de chá a preços reduzidos da companhia das Índias
Orientais.
Os colonos recusaram-se a adquirir os fornecimentos de
chá inglês, preferindo comprar o chá de contrabando proveniente da Holanda. No
decurso do ano de 1773 os protestos ganharam força e as cargas de chá
apodreciam nos armazéns de Charleston e de outros portos. Em Boston, os
protestos foram mais além. Um grupo de homens disfarçados de índios entrarou a
bordo dos navios atracados no porto e lançou os caixotes de chá ao mar. Este
episódio ficou imortalizado como o «Boston tea-party». Ultrajado, Jorge III
exigiu que o parlamento tomasse medidas drásticas, particularmente em relação
ao estado do Massachusetts. As leis intoleráveis, como ficaram conhecidas pelos
colonos, entraram em vigor em Março de 1774, daí resultando o encerramento do
porto de Boston. O governador do Massachusetts passou a poder aquartelar soldados
nas casas dos colonos, foram anulados os privilégios da colónia e a capital foi
transferida de Boston para Salem.
Primeiro
Congresso Continental
As leis intoleráveis impulsionaram outras colónias a
apoiar o Massachusetts, dando origem ao primeiro Congresso Continental, que se
reuniu em Filadélfia, a 5 de Setembro de 1774. A assembleia decidiu apelar à
desobediência civil contra as autoridades britânicas, como protesto pelas leis
e lançar um apelo ao rei Jorge III e ao povo inglês e canadiano, no sentido de
um tratamento mais justo. A independência de Inglaterra foi explicitamente
rejeitada mas, posteriormente, a facção que reclamava a independência ficou em
vantagem.
Rebenta
a guerra
A faísca para a eclosão de uma revolução global surgiu em
Lexington, no Massachusetts, a 19 de Abril de 1775. O general Gage foi enviado
ao Massachusetts como militar e governador civil, a fim de reprimir uma
rebelião sem contexto que ocorrera naquela colónia. Para tal, enviou uma
pequena força para confiscar depósitos militares ilegais e prender dois
rebeldes proeminentes, John Hancock e Samuel Adams. A milícia de colonos local,
conhecidos por minutemen, trocou fogo com as tropas britânicas. O inicio das
hostilidades resultou na batalha de Lexington e Concord.
Da
revolta à revolução
O segundo Congresso Continental, reunido em Filadélfia em
Maio de 1775, reconheceu as milícias rebeldes em campo como um exército
continental. George Washington foi, então, nomeado comandante-supremo das
forças americanas, a 15 de Junho. Embora o Congresso se apresentasse como o
embrião de um governo federal das treze colónias americanas em guerra com o
governo britânico, não estava ainda preparado para rejeitar a submissão à
coroa. Os ingleses foram reforçados com a chegada a Boston de Howe, Clinton e
Burgoyne, acompanhados de tropas que elevaram o número total das suas forças
para 10 000 efectivos. O exército americano encontrava-se estacionado na região
continental e o primeiro combate significativo do conflito surgiu na batalha de
Bunker Hill, a 17 de Junho de 1775. Os ingleses venceram mas tiveram muitas
baixas. O Canadá é, entretanto, invadido por uma força americana, que foi
obrigada a retirar-se depois da derrota de Benedict Arnold, no Quebeque, em
Dezembro de 1775. Em Março de 1776 Washington fortificou Dorchester Heights,
nos limites de Boston, e bombardeou a cidade, forçando a evacuação de Howe no
dia 17. Os partidários da secessão da Inglaterra ganharam terreno no Congresso
Continental e a Declaração de Independência dos EUA, esboçada por Thomas Jefferson
e revista por Benjamin Franklin e John Adams, foi formalmente posta em vigor no
dia 4 de Julho de 1776.
Depois da derrota de Washington em Long Island no dia 27
de Agosto, os americanos viram-se forçados a abandonar Nova Iorque, em
Setembro, e a retirarem por New Jersey para a Pennsylvania. Entretanto,
defrontaram e derrotaram os ingleses em Trenton, New Jersey, a 26 de Dezembro,
e em Princeton, a 3 de Janeiro de 1777. Mas Washington sofreu outro grande
revés na batalha de Brandywine, no dia 11 de Setembro, e pouco depois em
Germantown, a 4 de Outubro, possibilitando que Howe ocupasse Filadélfia, então
capital dos estados continentais formalmente independentes. Todavia, em apenas
duas semanas, a situação britânica sofreu um grande retrocesso, quando Horatio
Gates forçou a rendição dos ingleses, comandados por John Burgoyne, após a
batalha de Saratoga, impedindo-os de se aliarem às forças de Howe.
Intervenção
das potências europeias
Enquanto isso, a França viu na guerra da independência da
América uma oportunidade de desferir um rude golpe à sua velha inimiga, a
Inglaterra. E, em Fevereiro de 1778, firmou com os emissários americanos um
tratado ofensivo e defensivo, levando a Inglaterra a declarar guerra à França.
Em Setembro de 1778, os Países Baixos assinaram um tratado de amizade com as
colónias americanas e juntaram-se-lhes, em 1780, na guerra contra a Inglaterra.
Em Junho de 1779, também a Espanha faz a sua declaração de guerra, cercando
Gibraltar e permitindo que New Orleans fosse utilizada como base dos corsários
que actuavam contra os navios ingleses. Em Março de 1780 foi a vez de Catarina
II da Rússia, que formou a Liga da neutralidade armada, ir em auxílio das
colónias americanas, bloqueando o poder marítimo inglês. A revolução americana
transformou-se numa guerra mais abrangente, na qual participaram muitas das
grandes potências europeias.
O primeiro-ministro britânico, Lorde North, apercebeu-se
da potencial generalização da guerra, principalmente quando os franceses
intervieram e tentaram anular a sua política. Em Abril de 1778 foram nomeados
enviados para a paz, a fim de iniciarem as negociações e o parlamento prometeu
revogar as leis intoleráveis, suspendendo-as enquanto se aguardava o resultado
das negociações. Mas já era demasiado tarde e o Congresso americano rejeitou a
proposta, em Junho de 1778.
A guerra
no mar
Uma das vantagens da intervenção francesa consistiu no
auxílio à frota americana, da qual dependiam grandemente para todos os seus
compromissos navais, embora fossem apoiados por grupos de corsários, como o
chefiado pelo popular herói americano John Paul Jones.
Guerra
no sul
Henry Clinton, entretanto nomeado para suceder a Howe
como comandante das forças inglesas, evacuou Filadélfia em Junho de 1778 e
tentou regressar a Nova Iorque. No entanto, Washington estava determinado a
fazê-lo entrar em combate e atacou, daí resultando a batalha inconclusiva de
Monmouth, a 28 de Junho de 1778. Esta foi a última acção generalizada de luta
travada em solo do norte. Clinton ocupou Nova Iorque, enquanto Washington
tomava posição numa região próxima de White Plains, onde ambas as facções
permaneceram em observação mutua durante três anos. Enquanto isso, a verdadeira
luta realizava-se a sul, onde Lord Cornwallis alcançou algumas vitórias notáveis,
em particular a grande vitória britânica perto de Camden, na Carolina do Sul, a
16 de Agosto de 1780, e que foi quase fatal para os americanos.
A
derrota inglesa
No final do Verão de 1781, Lorde Cornwallis foi cercado
em Yorktown, na Virginia, pelas forças de Washington e de Lafayette, o
comandante francês. A sua última esperança de retirada por mar foi
desencorajada pela vitória francesa sobre a frota inglesa, a 5 de Setembro, em
Chesapeake Bay. Este acontecimento isolou a força terrestre inglesa e Lorde
Cornwallis foi forçado a render-se, no dia 19 de Outubro. Com a sua rendição,
terminavam as esperanças inglesas de ganhar a guerra. Grande parte das regiões
do sul foram evacuadas. A frota britânica, comandada pelo almirante Rodney
continuou com êxito nas Índias Ocidentais, nomeadamente com a derrota da frota
francesa na batalha de Saints, em Abril de 1782. O que não foi suficiente para
se recompor do colapso das forças terrestres, sendo os ingleses obrigados a
aceitar os termos preliminares da paz, em Novembro de 1782. E em Fevereiro de
1783 deu-se a cessação formal das hostilidades.
A
Paz de Versalhes
Com a suspensão das hostilidades, em Fevereiro de 1783, o
resto do ano foi passado em negociações entre os diversos países envolvidos no
conflito e os americanos, representados por Benjamin Franklin, John Jay e John
Adams. Com a Paz de Versalhes, em 3 de Setembro de 1783, a Inglaterra
reconheceu a independência dos EUA e, em troca, foi-lhe permitido manter o
Canadá e recuperar os territórios das Índias Ocidentais. Em contrapartida, a
França recuperou Santa Lúcia, Tobago, Senegal e Goree, e a Espanha manteve
Minorca e recuperou a Florida.